Olhar para coisa como aquilo que se apresenta verdadeiramente é desnudá-la. É revelá-la sem códigos ou preconceitos. É sorvê-la e estar disponível para ser sorvido por ela. A coisa, desse ponto de vista, pode ser o que bem se apresentar. Uma planta, um animal, uma pessoa, uma música, um poema. Há tempos estou em contato da coisa-arte e é dela que quero falar hoje.
Podemos iniciar nosso passeio com a seguinte afirmação: tudo que se apresenta ao existir humano pode ser transformado em alimento dele mesmo! Se a tudo que se tem contato é possível tornar-se alimento, também a arte o é. A questão não é se isso ou aquilo pode ser alimento, mas como isso ou aquilo outro se torna o alimento necessário a ser sorvido. E, no sentido desse texto, prefiro pensar em sorvido e nunca consumido já que consumir é gastar ou esgotar algo, enquanto sorver está para atrair ou gozar algo. É assim com a arte, o alimento necessário ao paladar daqueles que desejam elevar a alma para gozar da liberdade desse contato e ser transformado por ele. A pergunta que se levanta é: o quanto nos alimentamos de arte? Quantas vezes nos colocamos diante dessa manifestação? O quanto nos permitimos sorver toda expressão artística que se apresenta diante de nós?
O caminho do existir, passo a passo se faz pela compreensão e sentimento. A arte repousa gentil e dura disposta a ser capturada. Oferece-se em cada ato e derrama por todo canto seu néctar em baile. Basta olhar, basta estender a mão e ela a segurará e levará os dispostos a fruir.
Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas. Não quero possuir a terra mas ser um com ela. Não quero possuir nem dominar porque quero ser: esta é a necessidade. Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. O mundo do ter perturba e paralisa e desvia em seus circuitos o estar, o viver, o ser. Dai-me a claridade daquilo que é exactamente o necessário. Dai-me a limpeza de que não haja lucro. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. Chegou o tempo da nova aliança com a vida.
… aceite seu convite … alimente-se!!
poema Dai-me de Sophia de Mello Breyner Andresen
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