Disse o filósofo: “quem ensina que o amor deve governar, e não a razão, abre caminho para os que governam pelo ódio”. Eis um tema indigesto, mas sem dúvida necessário. Então vamos lá! Bem, para iniciar este assunto tão polêmico vou pontuar alguns conceitos básicos e delimitar o escopo da fala. Para a conversa de hoje trago o filósofo austro-britânico Karl Raimund Popper, conhecido na academia como Popper. Sim, hoje vamos pensar sobre o que gosto tanto: racionalidade e amor! Ou seria, racionalidade versus amor? Vamos lá ver.
Antes de mais, o que posso afirmar é que não teria outra pessoa para chamar se o que quero questionar aqui são os problemas da sociedade contemporânea. Resumidamente, o filósofo confronta racionalismo e irracionalismo. Concebe como racionalista todo aquele que tem fé na razão e que assume a atitude de colocar-se em dúvida diante dos argumentos apresentados por outros e o irracionalismo seguido por aqueles que acreditam que o ser humano é guiado pelas emoções e não pela razão. Acontece que se tomássemos apenas este confronto seria o disse pelo se disse. Mas o que o filósofo propõe é que ao se abandonar o racionalismo e assumir as emoções como o motivador original das ações humanas é aí que está a semente inaugural da violência e do crime. Vamos seguir o caminho com Popper.
Quando abandonamos a liberdade de se estar aberto ao pensamento de outro e suas formulações fundamentadas abre-se a possibilidade de que façam ou pensem o que lhe for mais conveniente. Por esta razão, não há caminho plausível em se fundamentar questões sociais ou de estado por sentimentos ou emoções, os mais elevados que sejam. Quando admite-se de que é necessário agir pelo amor, admite-se com isto que o que sobressai é o sentimento humano. Cai por terra a razão e eleva-se o sentimento. Acontece que nem todo humano está pautado ou imbuído do melhor dos sentimentos (só por pensar assim já é um problema para outro texto), assim nem tudo o que se escolhe é para o bem dos outros.
A racionalidade nos coloca crentes na razão, mas a racionalidade crítica nos torna livres em aceitar tranquilamente a proposta de outras pessoas. Parece que é por este caminho que seguem outros filósofos também, quando propõem diálogo como base da ética ou o compromisso com a própria narrativa, fazendo de sua própria vida o narrar a ser posto à público e a se defender. Quem, melhor que você, poderá saber o quão grande ou respeitável é sua história.
Acredito que o que Popper nos convida a pensar é: por mais que eu ame alguém nunca conseguirei fazê-lo feliz. E por maior que seja este desejo e o amor, nem este sentimento ou emoção durará para sempre. Não é possível questões públicas, sobre o destino do país, a natureza, a saúde de todes … nada disto pode ficar à mercê da boa vontade de quem estiver no comando, muito menos de seus arroubos. A escolha racional e a atitude aberta à crítica é o que faz com que possamos caminhar para uma verdade. Não há verdade definitiva quando tecemos o convívio social. Há verdade apenas quando olhamos para o dia ensolarado e quando vemos o “céu de brigadeiro”, aí sim, afirmamos “faz sol”!
Da mesma maneira não é possível haver uma racionalidade crítica sem imaginação. Sim, a imaginação, é ela a grande mola para a crítica. Somente o dogmatismo reprime a imaginação. Por esta razão governos despóticos atacam artistas. Pessoa livre, que imagina, coloca-se no lugar do outro e não aceita a segregação, a miséria, o desrespeito, o preconceito, o racismo. Imaginar é criar um novo mundo! Somente os totalitários e mal intencionados proíbem esta atividade primordial humana. Morremos, então, mais uma vez.
Sabe, filosoficamente, poderia elencar vários pontos a discutir e questionar Popper. Mas aqui, no plano do real, gosto muito de tudo o que ele propõe, aproximar atitude racionalista da visão igualitária e humanitária. Precisamos estar livres para poder imaginar e criar uma nova realidade. Ele também nos propõe que precisamos aprender a escutar, mas também a falar. E só se fala quando se sabe. Então precisamos quebrar os dogmas, nos libertar do que nos limita e nos colocar em diálogo. Ouvir, pensar, falar, ser ouvido e em diálogo construir. As emoções e sentimentos exacerbados nos ensurdece, nos cega para o outro e assim aceitamos as injustiças e a violência. Ninguém será violento se parar para pensar que o outro também sou eu. Sou outro para alguém, assim como o outro é para mim. Não posso basear decisões para todos pautadas em meus sentimentos, pois amo os que amo, mas posso não amar quem não conheço e posso odiar quem me ofende naquilo que acredito nem sei por quê.
O que parece que Karl Popper está a dizer é que se pararmos mesmo pra pensar somos humanos, terráqueos e o problema que afeta meu vizinho também me afeta ou afetará. É só pensar na dengue, na covid, na fome, na violência, no preconceito, no desmatamento, no aquecimento global…
Pense sobre isto!
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