Acabo de ver que o termo “brain rot” foi escolhido como “palavra” do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford e nada poderia vir mais a calhar. Hoje – 03 de dezembro – , logo hoje, em que mais uma vez vejo um projeto meu copiado, publicado por um homem branco e, o que é para mim a pior das traições, apoiado e aplaudido por mulheres escritoras. Mulheres que muitas vezes são silenciadas pela cor de sua pele, pelo lugar de onde vieram e, sempre, por serem mulheres. Um “cérebro podre” permite que qualquer pessoa apenas aplauda uma ação ilegal e imoral, por não ser capaz de criar um repertório de reflexão crítica. Ora, esta atividade tão cansativa requer um pouco de treino. Pensar, e mais ainda, pensar criticamente, é como fazer uma caminhada toda manhã. Nos primeiros dias é insuportavelmente exaustivo, nas semanas que se seguem é desafiador e até enfadonho, mas enquanto os meses vão avançando e aquela pessoa que se mantém determinada em fazer suas caminhadas todos os dias, o corpo vai se transformando e quando menos se espera acorda muito cedo, veste-se e sai em caminhada ligeira, aumentando o percurso, pois o corpo pede mais. É assim com a leitura e consequentemente com a reflexão crítica. Alimentar um cérebro de baboseiras, de senso comum, do trivial sem profundidade vai afrouxando as fibras do pensamento que a podridão esteja instalada e confortavelmente atuante. Ah, um cérebro deteriorado revela seu apetite por coisas também podres, pelo status e por atividades pouco virtuosas.
É triste e vexamoso como esses brains rotten não percebem quando e o quanto são manipulados, tampouco são capazes de entender a gravidade de um roubo, a miséria de uma busca incessante pelo brilho fútil dos 5 minutos de fama.
Sim, eu gostaria de fazer uma mensagem motivadora para o fim de ano, mas como isso pode ser possível se não sou uma “influencer”? Como posso falar de qualquer coisa se só tenho o ponto de vista de onde estou? Como posso elevar a esperança em algo universal se estou confinada em minha subjetividade? E daí me pergunto: se só temos a limitada visão de onde estamos e cada qual em sua, por que seguimos pessoas cegamente? Por que reafirmamos a força do algoritmo em nos direcionar, manipular? Já parou para pensar no significado de algoritmo? Algorithimus ou algorismus são cálculos que foram feitos primeiro por al-Khwarizmi no ano 820 a.C. para se chegar em um resultado. Foi ele quem primeiro tratou a álgebra como uma disciplina independente e agora tal estrutura de cálculos servem como formulação e sequência de operações para se chegar a um resultado orientando publicidade e ofertas na internet. Qual resultado? Qualquer um. Fazer você comprar o que oferecem, por exemplo. Você pode estar pensando: ah, mas eu não compro pela internet. Você pode não comparar, mas usa as redes e só em usar já tem seu desejo influenciado. Qual roupa usar, shampoo, calçado, comportamento, auto ajuda, marca de café, tudo… tudo mesmo. Até decisões muito íntimas.
Mas o quanto isto pode ser nocivo? Bem, eu não iria por este caminho, mas vamos lá. Sempre seguimos padrões. Nosso primeiro contato com o mundo e o que influencia nossas ações é o espelhamento. Mas como estão relacionados algoritmo, pessoas manipuladas, roubo de ideias e brain rot? Penso que o problema não está nos algoritmos e sim no brain rot, conteúdos rasos que vão se desdobrando em uma espécie de fraqueza psicológica, o que resulta nos “cérebros podres”. Já parou para pensar a infinidade de pessoas que se sente desajustada em sua aparência, poder aquisitivo ou até mesmo em sua presença no mundo? Seguem padrões para se adequar, para fazer parte e se esquecem do precioso valor de sua própria singularidade. Outros valorizam demais a si próprios, mesmo não tendo nada a oferecer. O algoritmo por sua vez serve para distribuir determinados padrões e por estar na tela, de forma esteticamente aprazível o comum é que tal imagem ou coisa seja aceitável, o correto, o desejável. Cálculos numéricos para decifrar seus desejos e depois defini-los, moldá-los. Junto dessa mistura toda, o ideal de ser amado, seguido, aplaudido. É aí que entram os manipulados como protagonistas, fazendo seus números bombarem, querendo ser aquela pessoa que todos olham. É assustador como entramos nisso com facilidade. Sim, estou falando de mim também. Eu que muitas vezes me senti improdutiva. Eu que desejei um like. Eu que a maioria das vezes me acho cheia de valiosos conhecimentos para partilhar. Eu que tiro meu dia para escrever este texto na certeza que em algum lugar terei um leitor ou leitora que me entenderá. Nós que agora já passamos mais tempo em nossa vida virtual que na vida real. Ou sou só eu que achei que este ano passou rápido demais? Só eu que paro pra pensar e muitas vezes não consigo recordar os momentos especiais de meu ano? Sou eu que tenho a sensação que os dias me atropelaram e agora estou na correria do fim de ano para ter a ridícula compensação de gastar muito porque alguma coisa precisa existir, coisa que mereço num ano tão duro? Diga, só eu acho que não tive tempo para o que gosto de verdade? Eu sei, ainda nem sei o que gosto, ou qual seria meu dia mágico e poético? Só eu me pergunto: que Show da Xuxa é esse? A relação sobre o roubo da ideia? Ah, isto é vileza mesmo. E a mediocridade, muitas vezes, é um estado irreversível.
Um recadinho para o novo ano que já desponta? Eu podia recomendar: leia mais, passe momentos de qualidade com as pessoas que você ama, coloque um limite de tempo para as redes sociais, tome muita água, faça caminhadas, faça muito sexo, aprenda a aplicar seu dinheiro… mas eu sei que você não vai me ouvir. Então, só por hoje, evite ser um brain rot.
Boas Festas!
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Trecho do poema: O guardador de rebanhos | Alberto Caeiro
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