Desde 2019 realizo encontros mensais para apresentar as filósofas da história, o Café com as Filósofas. Dia 16 de Outubro apresentei a pensadora Françoise Vergès e seu novo livro Um Feminismo Decolonial. E é sobre isto que quero falar hoje, decolonizar.
Segundo Vergès, o feminismo decolonial é sem sombra de dúvida anti-racista, anti-capitalista, anti-imperialista, anti-heteronormativo e anti-patriarcal e tem como seu maior opositor o capitalismo, por ser ele um produtor da racialização. Ou seja, o capitalismo não existe sem racialização, pois foi construído sobre bases escravagista e colonizadora. O termo racialização exprime o processo social, político e religioso a partir do qual certas camadas da população de etnia diferente são classificadas tendo em conta características fenotípicas ou culturais e atuam normatizando a inferioridade. É isto o que fazem quando olham para mulheres negras como tendo sua única capacidade a de exercer atividades mal remuneradas ou subempregos. O que é claro, segundo o pensamento capitalista, é que deve existir sempre uma camada social inferior que preste tais serviços e que não façam exigências para que esta estrutura mude. Por esta razão a filósofa acredita que existe sim uma aceitação da exceção que concorda em viver sob normas neoliberais, ou que simplesmente não conseguem ver problema nisto tudo já que esta “colonização” está impressa em sua forma de pensar o mundo. O mesmo acontece com as pessoas que não se reconhecem dentro do registro de sua descendência, a exemplo das ações agressivas de Sérgio Camargo – Presidente da Fundação Cultural Palmares contra a comunidade negra do Brasil.
Seguindo esta linha de pensamento podemos falar que o colonialismo possa ter sido eliminado em muitos lugares, mas a colonização continua como um processo devastador. Descolonizar é muito diferente de decolonizar, pois o primeiro pode ser feito em atos jurídicos ou políticos como uma declaração de independência por exemplo. Enquanto que a decolonização é um movimento que tem a necessidade de se iniciar em si mesmo. Mas como podemos fazer isto? Bem, este é o verdadeiro desafio e que exige uma atenção amorosa e acolhedora diária. Olhar para as pessoas sem esperar ou forçar que tenham este ou aquele comportamento. Olhar para si mesmo e perceber nas pequenas ações o quanto se é colonizado.
Penso que ao termos no horizonte a postura decolonial precisamos pô-la em prática nos meios em que convivemos. No meio acadêmico, ao perceber que ali não é o berço da verdade e que qualquer pessoa pode participar ou ingressar neste meio. Que o movimento feminista precisa imediatamente colocar em prática este procedimento, para que percebamos que mulheres – sejam quais forem – não precisam estar na capa das revistas ou terem milhares de seguidorers ou o aval de um grupo específico para que sejam aceitas e ouvidas como pensadoras. Nenhuma pessoa precisa. Que aproximações pessoais, sentimentais, não precisam cumprir um ritual determinado para que exista e faça bem aos envolvidos. Que não precisamos bradar a formação acadêmica para que uma produção literária ou jornalística seja aceita como profunda e necessária. Que não é preciso fama para que se tenha uma vida profissional realizada. Que não precisamos consumir isto ou aquilo na ingênua convicção de que o que nos trazem de fora é a verdade. A começar de tudo o que disse aqui, pois isto você pode ouvir ou não.
“Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro.” José Saramago
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