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por estes olhos cansados vejo que

Foto do escritor: Flavia QuintanilhaFlavia Quintanilha

É preciso desabrigar o amor da dor. Este movimento ad infinitum que amantes insistem em afirmar. É urgente desalinhar e cortar a relação entre amor e dor. O amor não passa de uma inevitável e fatal reciprocidade. E ele, em definitivo, não está disponível para lhe trazer felicidade ou alegria, tampouco infelicidade ou tristeza. O amor é bicho que cresce com o tempo, não se submete aos gemidos e promessas em gozo. O amor é para aqueles que estão para a vida no cuidado. Quantas canções e poemas para exaltar seus benefícios ou lamentos… Ah, o amor, o amor… tão pequenino e invisível que se faz subjugado pela paixão. Nunca vi o amor estampado nas vitrines ou aos brados pela rua. Ele é mesmo silencioso, certeiro, profundo, miúdo até e cresce feito hera na beira do muro. Ele está ali, dia após dia sem que pessoa o note até que pimba! Está lá o amor tomando toda a casa. Não, o que dói não é o amor! O que dói é a culpa, a vergonha, o orgulho. O amor é feito ar enquanto se respira, ninguém fica controlando este movimento. “Agora respirei, agora não, agora sim”. Parece-me urgente desatar este nó entre amor e dor, pois se dói não é amor. Olhe bem para isto! O que dói? Não podemos dizer que ele é visceral. Amor é amor e pronto. E ele escolhe! Não é você quem escolhe, é ele. Escolhe ficar e você não vai poder fazer nada sobre isto. Mesmo que a paixão lhe doa, a distância doa, a dúvida, o abandono, a raiva doa, o amor não se abalará. Mas lembre-se, ele demora a crescer. E é nesta hora que precisamos estar atentos. A atenção plena em deixá-lo livre se queremos estar com ele. É tão lindo e horrível o amor! Ele nos mostra quem somos.


Deixai-me limpo

O ar dos quartos

E liso

O branco das paredes

Deixai-me com as coisas

Fundadas no silêncio

Instante | Sophia de Mello Breyner Andresen

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