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Somos humanos?

Foto do escritor: Flavia QuintanilhaFlavia Quintanilha

A ocupação de Cabul pelo Talibã esta semana me fez recordar que o tema da guerra já foi muitas vezes abordado e estudado na filosofia. Lembro-me de um evento em que participei anos atrás em que se levantava a questão sobre a possibilidade de se delimitar um espaço seguro para os conflitos bélicos, o que me faz penosamente entrar na reflexão de hoje. É a guerra um acontecimento inevitável? Ao que parece, colocar a possibilidade de delimitar um espaço de guerra coloca esta ação como inevitável – mesmo no intuito de preservar a população – ou até mesmo como necessária. É aceitar que não há outra forma de contornar o conflito a não ser pela força bélica.


Admitir que algo é necessário ou inevitável seria o mesmo que aceitar esta coisa como natural e então mais uma vez me vem a questão: é a guerra algo natural da vivenda humana? É fato que a história da humanidade é marcada por inúmeras guerras desde os primórdios. Que líderes e estadistas valem-se deste recurso para assegurar ou ampliar seu poder. Visto assim podemos dizer que o problema já se constrói sobre bases muito questionáveis, o poder. E este parece não ser satisfatório seja lá qual tamanho tenha.


É possível afirmar que naturalmente o “homem” vive em conflito. E aqui uso homem propositadamente. No entanto há tantas maneiras de resolver conflitos sem que haja qualquer morte envolvida. Sim, pensar nos conflitos nos fez aprimorar direitos civis e até teorias morais, políticas e éticas. Mas teorizar uma maneira de resolvê-los é muito distante de colocar mesmo em prática tudo o que já foi alcançado. O que me apavora é perceber que o direito de muitas pessoas deixa de existir num mínimo movimento para um estado de guerra. O das mulheres é o primeiro que se perde. Tantas teorias, debates, leis formuladas para em poucas horas tudo retroceder em décadas o que já foi conquistado. Bastou um dia de ocupação pelo Talibã e famílias já negociavam corpos de mulheres em troca de passes para viagem. E eu me pergunto, por que tenho que escrever mais uma vez sobre isto? Por que para certas pessoas os diferentes não possuem os mesmo direitos à vida, segurança, trabalho. Quantas vezes mais iremos penar nas mãos daqueles que se veem como superiores e impõem seu modo de vida? Viver e deixar viver. Como isto é difícil ultimamente.


Em um desses textos que insisto em publicar citei a filósofa americana Carol Gilligan e sua ética do cuidado. Lá expliquei por alto sua crítica às éticas pautadas na justiça e sempre que me deparo com um acontecimento assim percebo que nem isto nós conseguimos alcançar. Nem o mínimo da justiça em que haja um vencedor sem perdas de vidas. No caso, Gilligan rejeita este fundamento da justiça para a ética, pois para ela quando assim buscamos resolver nossos conflitos sempre haverá um derrotado. Gilligan acredita que se pautarmos as éticas pelo cuidado sempre haverá acolhimento. Mas daí me pergunto: como acolher um exército fundamentalista que não respeita o outro?


São tantas teorias para provar que o ser humano é capaz de pensar racionalmente, agir razoavelmente e através do pensamento se colocar no lugar do outro. Parece que isto não é necessário, pois na balança entre razoabilidade e poder, ganha o poder. Ou no cabo de guerra entre a imposição violenta de uma forma de vida e o respeito pela vida humana que também é sua e do outro, ganha a imposição da força.


Mais uma vez termino pensando que tantos anos dedicados ao estudo da filosofia política e da ética de nada valeu. É um sentimento de impotência ao ver pessoas morrendo lá e aqui. É uma vergonha que sinto por ser humana e partilhar também destas fraquezas e em pensar que existe uma única pessoa no mundo que sofre pela força desejante de outro. É infinitamente penosos que possa haver um único brasileiro que olhe estas cenas que inundaram mídias, internet, conversas e não se sinta minimamente constrangido, com medo e ferido pelo que aconteceu lá e pelo o que pode acontecer aqui.


Em À Paz Perpétua Kant inicia sua reflexão sobre estado justo e acordos de paz com a frase “Não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura”. Eu sinceramente gostaria de atualizar este trecho com: não se deve considerar válido nenhum tratado ou estado como legítimo se impõe seu poder levando seres humanos à batalha ou morte.

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