Se eu pudesse fazer um pedido agora, faria: deixe-me em silêncio! Mas tal pedido é no mínimo inútil já que em silêncio passo os meus dias, se ninguém se intrometer, desde 17 de março. É aqui em casa que o mundo se cria. É daqui de casa que olho atentamente tudo o que acontece fora. A janela já não é mais a da casa, mas a da vida virtual, que também é real em algum sentido. Quantas teses tentando distinguir o virtual do real e agora percebemos que tudo está junto. Como a vida, o planeta. O todo é um. E é nesse todo que nos manifestamos. Somos o que reverbera no mundo. Cada ação, cada frase, cada atitude reverbera. Até a não ação. Pois não agir também é a escolha de algo e também reverbera. Somos reverberantes! Não temos escolha nisso. É o natural de tudo o que está. De tudo o que existe! O caso é que se somos “reverberantes” podemos livremente optar a qual tipo seremos afeiçoados. Seremos a folha que naturalmente se solta da árvore e cai sobre as águas calmas do lago ou seremos o pedregulho lançado da mão adolescente de alguém? Caso a escolha seja esta, ao sermos lançados há de se perguntar o que é a mão adolescente que nos arremessa: a raiva, o medo, a insatisfação pessoal? Qual parte de seu ego comanda a força da mão? Entretanto, se o que escolhemos é aquela, ser a folha que repousa no lago, é necessário estarmos abertos a nos tornar alimento de um peixe sortudo que nadava no lugar e momento exatos em que a folha surgiu na superfície da água. Ou quem sabe ser levada entre água e vento para a borda e parada ali se transformar em matéria orgânica, alimento para algum ser vivo. As possibilidades são infinitas, assim como as escolhas.
Se eu pudesse dar um conselho agora, diria: evite que sua insatisfação respingue na vida alheia. A vida de tão curta nos distrai a fazer coisas desimportantes. E de tão grande nos mostra o quão insignificantes somos quando nos incomodamos com os outros. Dar conta da própria vida não se limita em pagar as faturas para a sobrevivência, guardar uns dinheiros para a aposentadoria ou torrar nos prazeres. Dar conta da vida expande-se no inevitável, viver. E isso de tão simples chega a ser penoso, enfadonho ou aborrecido para alguns. “Divino e maravilhoso” é viver e deixar viver. Arcar com as escolhas e não se importar com as escolhas dos outros. A vida não é, certamente, um metralhar de julgamentos, críticas e imposição de regras. Deixe a grama crescer em paz e apare seu gramado vez ou outra.
Se pudesse fazer uma mudança, escolheria: quero o poder de atrair amigos. Andaria por lugares que tivesse a certeza que lá eles estariam. Acumularia essa fortuna sem nunca mais me sentir só ou pequena. E todos os atos seriam de confraternização. Mas eis o desejo mais utópico em todos os sentidos. Mesmo que fosse possível atrair ou conquistar amigos, como os manteria em tão grande número? Estariam eles enfileirados em listas de stories ou em vitrines de avatares? Faria esse acúmulo me livrar da solidão que é o existir? Perguntas sem possibilidade de serem respondidas se aceitarmos o que disse o poeta: “amigo se reconhece”. E na loteria dos encontros o belo está em ser reconhecido.
Basta perguntar: nos reconheceremos pela mão que lança a pedra no lago ou pela folha que um dia, sem dúvida cairá, e poderá ou não repousar ondulando a plácida superfície do lago?
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