Faz frio. Estendo o braço para dentro do box até alcançar o registro de água e faço o movimento para direita. A água que cai do chuveiro é quente e logo o vapor toma todo o banheiro embaçando o espelho que era em minha presença um testemunho. Eu e as coisas da casa numa cumplicidade silenciosa que se arrastava por dias. Qual é o valor da vida? Assim como o vapor da água quente que caía do chuveiro naquele box solitário, esta pergunta tomava conta de mim. Acho que era esta a pergunta que me acompanhara pela vida toda, mas foi naquele momento que ela fez sentido. Confesso que não estou aqui a arremedar um ensaio filosófico como tantos grandes pensadores o fizeram, eu apenas estava pensando na minha insignificância e que se eu não mais existisse nada permaneceria como prova de minha existência. Acho que estava passando pelo medo comum da morte.
Bem, tudo começou em maio de 2020. Sim, isto mesmo bla bla bla covid. Eu tive tanto medo dessa coisa que fiquei um ano e meio em casa… nem vou me alongar nisso aqui… Acontece que após a vacina e nós já estarmos com mais informações como isto tudo se dava fomos afrouxando as coisas. Aulas voltaram, passamos a sair um pouco com os devidos cuidados… parecia que a vida enfim estava voltando ao normal. No final de maio, 2 anos após o início da pandemia, eu tive que me mudar para passar uma temporada em Florianópolis para concluir as disciplinas do doutorado. Sair um pouco da restrição de meu quintal seria bom, andei adoentada … Eu gostava de dizer, esta doença nunca vai me pegar… era uma maneira de me afirmar como saudável, cuidadosa, sei lá. Mas pegou! Não tem como saber de onde veio. Um dia você acorda e não se sente bem e daí pimba, o teste não mente. Ao confirmar o resultado, que para mim não é nada positivo, tive muito medo. Fui logo tomando um Rescue para acalmar o impacto da notícia. E agora? Preciso avisar os amigos. E se eu não resistir? Mas tomei três doses da vacina. Por que não tomei a quarta dose quando cheguei aqui? Mas eu nem sabia que podia. Meu Deus, minha contagem no oxímetro não está boa. Qual remédio posso tomar? Estou cansada. Estou com medo. Não se entregue ao medo ou vai piorar. Vou trabalhar um pouco. Não consigo me concentrar. Preciso me alimentar melhor. Quero que isso passe logo. Qual é o pior dia? Minhas costas doem. Minha cabeça dói.
Foi no terceiro dia que entrei no box, abri o chuveiro e a pergunta veio: Qual é o valor da vida? Tenho tentado me convencer a ficar calma, mas passei a pensar nesta pergunta e isso se estendeu na insignificância de nossas vidas. De minha vida para ser exata. Tanta coisa para se ver, tantos poemas ainda não lidos nem escritos e muitos mais lugares e imagens a se registrar, mas se eu não estiver aqui não muda nada. Nadinha mesmo. Tantos anos de estudo, línguas que aprendemos e outras que queremos saber mais. Livros e livros lidos e só penso nos que não li ainda. E se eu não estiver aqui, nada muda.
Qual o valor da vida? Nenhum! Porque fora do nosso critério de valores isto não dá em nada. É simples, pense comigo: se todas as árvores do planeta forem acordadas fará diferença? Se todas as vidas humanas deixarem de existir fará diferença? Fui longe demais? Penso que não adianta se apegar ao título, ao carro, aos relacionamentos, a qualquer coisa que seja. Ao que parece, a única coisa que não tem “valor” aqui é a vida humana, mas somente nós estamos preocupados com isto.
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