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Meu dialeto e minha intriga – parte 1

Foto do escritor: Flavia QuintanilhaFlavia Quintanilha

Há dias em que nada acontece. Que ficamos como “nonada”. Uma condição que nos dá a impressão que não progredimos, que não saímos do lugar … um marasmo. Isto porque não somos criados para “ser”. Somos criados e forjados para “estar”. É sobre esta diferença que tentarei falar hoje.

Há uns dois meses percebi que ando afastada da poesia. Imediatamente quando questionei sobre isto respondi para mim mesma que este afastamento se deu devido ao número de trabalhos acumulados tanto como professora, como também aluna de doutorado. Em algum sentido senti um alívio por ter um motivo para estar afastada da poesia. Esta que penso ser a linguagem primeira e verdadeira de minha existência, de toda a existência. Em seguida, fiz um inventário de produção desde o início da pandemia: um livro publicado, dois livros escritos, 2 projetos fotográficos, participação em 6 antologias e diversas lives e saraus distribuídos em um ano e meio. Olha que não estou contando aqui os textos desta coluna, a produção acadêmica, as aulas, cursos e concursos que realizei. Daí veio uma admiração detestável, um incômodo que nunca me havia pego antes. O fato de eu ter sido a pessoa mais produtiva em toda a minha vida neste um ano e meio de pandemia me colocava no pior dos lugares, a de rival de minha própria existência. Passei a pensar sobre a auto imposição de uma vida sem descanso, sem vácuo, sem “decantamento”. Sim, o encantamento pela vida precisa ser vivido no seu tempo, um decantar das emoções, para as emoções.


Eu estava me forjando no “estar” na vida. Queria participar e ser vista nesta participação que nunca parava, dia após dia, semana após semana buscava algo novo e incrível para destinar toda a minha presença, toda a minha força vital que antes não estava confinada entre minhas próprias paredes. Eu de alguma maneira gastava esta vida em muitas outras coisas. E aqui tenho que ser sincera, eu desperdicei muito tempo olhando se outros também estavam tão empenhados quanto eu nesta loucura de ser criativo o tempo todo. Uma espécie de full time, all the time. Saiba, pode se adoecer assim.

Passado este incômodo e após ter a consciência sobre sobre a inutilidade da utilidade, parei! Sofro agora um tipo de esvaziamento. Nada vêm. Não busco. Não quero. Permaneço imóvel sem levar o pensamento a lado nenhum. Se penso, acho que me falta a poesia. Daí me percebo no ‘estar” em falta. O “estar” é sempre uma falta! Em contrapartida, se nada acontece nada falta: “sou”. E quando “sou” há poesia em todo silêncio. Ah, como é difícil permanecer em silêncio! Passa a ser um paradoxal embate se se faz silêncio para silenciar a busca e encontrar o “ser”. Percebi então que quando corro em busca ou para algo desperdiço a vida mesma que só se manifesta no silêncio dos desejos. A vida nunca para mesmo quando estamos parados. Ela apenas termina em seu fim, mas nunca se exaure na finalidade.

“Com que rapidez os nossos pensamentos se atiram em cima de um novo objeto, dando-lhe importância por uns breves instantes, tal como as formigas, que carregam uma tira de palha com a maior febre para largá-la logo em seguida...” Penso, com tudo isto, que seja possível aceitar o esvaziamento como uma forma de viver exata. Na verdade é necessário que se faça isto para que possamos nos aproximar o máximo possível à verdade. Esta verdade que é a forma da poesia, o dialeto do pensamento. É claro que para isto nos é exigido, muito mais que esforço, coragem. Abandonar o grito incessante do ego que se alimenta de tudo o que é externo. Abandonar este alimento pobre dado pela dualidade – a perspectiva paradoxal verdade-mentira – para nos entregar à riqueza do inesperado, da completude. “...Ora, se quisermos comparar a vida a alguma coisa, devemos equipará-la à experiência de quem vai, num tufão, pelo túnel do metrô afora a oitenta quilômetros por hora – indo aterrissar na outra ponta sem um único grampo no cabelo! Indo parar aos pés de Deus em completa nudez!”

Os trechos citados são de Virginia Woolf em A arte da brevidade

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