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Qual mundo estamos criando?

Foto do escritor: Flavia QuintanilhaFlavia Quintanilha

Há dias venho buscando aquele fio poético que me mantém viva. E se não há poesia, como florir? Como olhar para cada ponta, caco, dor espinhenta que atravessa a garganta num soluço íntimo e silencioso? É tanto absurdo que não tenho por onde começar. É tanta morte por violência, poder ou vírus que não tenho palavras para desenhar tudo o que sinto. Então vamos lá, por outro caminho. Pelas veredas do sagrado, do silêncio. Espaço fecundo que germina toda ideia criativa, todo amor, todo bem que se dá com dom, som ou sorriso. E é esse espaço que hoje me falta.

A falta de um pequeno espaço silencioso hoje é a grande necessidade. Mesmo para aquelas pessoas solitárias, como eu, que passam a maior parte de seus dias sem companhia. Mesmo para mim que quase não vejo ninguém não encontro mais esse lugar. Por que encontrar o silêncio é tão difícil?

O prenúncio da Íris no istmo da folha, que desenha invisível o abaulado da vida me dá a pausa que preciso para respirar em silêncio. E a questão que me ronda nessa pandemia é: viveremos, a partir desse momento, num mundo sem silêncio?

O mundo já era barulhento, nós sabemos. Carros, motos, máquinas, pessoas, o dia a dia urbano, tudo isso e muitas outras coisas nos afastava do silêncio, mas sempre havia uma hora do dia em que nos refugiávamos em algum lugar, num parque, em casa, para nos acolher em palavra alguma. Não hoje. Hoje atingimos o que desejávamos, a onipresença. E com isso vem a tortura de nunca estarmos sós, de nunca mais o quieto. São reuniões, apresentações, aulas, tudo e a toda hora. Parece que caímos num mar da “produtividade”. E ser produtivo hoje é estar on-line. Nada me atormenta mais do que essa condição, estar on-line. É como se perdêssemos a vida se não nos conectarmos com alguma página, mídia ou live. Até essa palavra mudou o significado! Live... Viver é estar sendo visto por alguns numa tela. É ter as ações atestada por um público qualquer. Um público que não te conhece mas te dá audiência.

Poderia seguir agora pelo caminho de quantos problemas emocionais ou psicológicos criaremos com essa necessidade de ser visto. Não, não vou por aí. Pois o que mais sabemos criar são esses problemas fictícios.

Eu só estou aqui oferecendo uma questão para pensarmos. Sabemos desfrutar da quietude? É o ser humano um animal que sabe abrandar-se, que necessita do silêncio? Haverá uma nova divisão entre os humanos pós-pandemia, os que necessitam de silêncio e os que nunca silenciam? Como podemos pensar e decidir com clareza se não temos um momento do dia em que desconectamos? Como viver sem perceber a flor que se anuncia na estação. Como podemos passar dias e dias sem ouvir nossos pensamentos, ouvir nossas risadas, as que temos solitárias?

Confesso que estou a sentir falta de não existir em momento algum para pessoa alguma. Sinto falta de passar as horas sentindo as horas a passar. Desligar celular e notebook sem me sentir em falta, sem sentir uma pontada de ansiedade pois tem muita coisa ainda a ser feita. Coisas que se não forem feitas o mundo não deixará de existir.

Quem sabe precisemos descobrir que tudo aquilo que criamos não tem necessidade ou utilidade alguma. É apenas uma maneira de nos sentirmos vivos. Mas já estamos! E a vida não é uma live!

É nosso espaço sagrado que precisa ser ocupado no amor e na quietude. Mas sabemos disso?



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